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População de rua exposta à violência de todo tipo e abandonada 'como se fosse nada'

Cleia morreu atropelada por uma carreta na região do Porto e Ney foi baleado a sangue frio em frente à Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

13/04/2025 às 09h18
Por: Leandro Campos Fonte: Silvano Costa/GD
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REPRODUÇÃO
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A morte de Cleia Lina dos Reis, 44, e Ney Muller Alves Pereira, 42, no último dia 9, em Cuiabá, provocou revolta entre entidades ligadas à defesa de pessoas em situação de rua. Cleia morreu atropelada por uma carreta na região do Porto e Ney foi baleado a sangue frio em frente à Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Para Rúbia Cristina, coordenadora do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR/MT), os dois casos, que ocorreram na mesma noite, deixam explícito para a sociedade as formas de violência sofridas diariamente por essas pessoas.

"A população em situação de rua está à mercê de todos os tipos de violência. A pessoa que atropelou a Cleia, lá no Porto, nem sequer prestou socorro. Passou por cima como se não fosse nada", ela lamentou a Reportagem..

Dos 40 anos de vida, Rúbia Cristina passou 23 perambulando pela cidade. Hoje, ela deixou a estatística de mais de mil pessoas que se encontram pelas ruas e se tornou uma voz ativa na defesa dos direitos da população.

Rúbia ainda argumenta que, além da falta de olhar do poder público, a população em situação de rua sofre constantemente violências do tipo que levaram à morte de Cleia e Ney, inclusive por meio de quem deveria garantir sua proteção, como os agentes de segurança pública.

"Não temos onde recorrer. Muitas vezes a própria segurança pública, eles são os primeiros a nos matar, a nos agredir. Estamos doentes mental e fisicamente", alegou.

Em dezembro de 2023, um caso chocou o estado, quando dois policiais militares mataram a tiros dois sem-teto, em Rondonópolis.

O Fórum de População de Rua de Cuiabá se manifestou por meio de nota. "A vida das pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, empobrecidas, violentadas cotidianamente, parece não importar", diz trecho do texto.

"Todos os dias nas ruas de Cuiabá e nos diversos municípios deste grande estado, pessoas em situação de rua são relegadas a números frios, estatísticas que falam que alguém perdeu a vida, na maioria das vezes pela violência, inclusive a do Estado, doenças que poderiam ser curadas, por políticas públicas frágeis que não dão conta dessa realidade dolorosa de quem é invisibilizado(a) dia-após-dia", afirma outro trecho da nota.

A Arquidiocese de Cuiabá também publicou uma nota lamentando as duas mortes, que chamou de "bárbaras". "Reafirmamos nosso compromisso com a dignidade humana, e reforçamos o apelo por políticas públicas eficazes, respeitando à vida em todas as suas formas, e o fim da violência contra os pobres e excluídos", diz trecho.

Uma nota pública mostrou "consternação e indignação" com os casos. Ela foi assinada pelo CIAMP/Rua-MT, pela Defensoria Pública de Mato Grosso, pelo Conselho Nacional de Ouvidorias de Defensorias Públicas do Brasil (CNODP), pelo Movimento Nacional da População em Situação de Rua e pela Associação de Familiares Vítimas de Violência (AFVV).

"Casos como esses não são incidentes isolados - são reflexos de uma sociedade que insiste em negar humanidade às pessoas em situação de vulnerabilidade extrema. Não podemos normalizar o extermínio de pessoas pobres", diz trecho da nota. 

Segundo boletim informativo da Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (Setasc-MT), elaborado com dados do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), eram mais de 1,2 mil pessoas vivendo em situação de rua em Cuiabá no último ano.

Mortes bárbaras em Cuiabá

As mortes de Cleia Lina dos Reis e Ney Muller Alves Pereira causaram comoção na capital mato-grossense. Os dois casos ocorreram na noite da última quarta-feira (9). Ambos foram registrados por câmeras de segurança.

Cleia estava na região do Porto, onde costumava ficar. Em vídeo, é possível ver ela pedindo dinheiro para ocupantes de alguns carros que estavam parados na avenida, quando ela entra no ponto-cego de uma carreta e é arrastada pelo veículo assim que o sinal abre.

O caso gerou comoção nas redes sociais, onde diversos cuiabanos lamentaram a morte de Cleia. Ela era vista como uma pessoa simpática e conhecida na região. Em 2019, ela viralizou ao ser flagrada ajudando uma pessoa com deficiência visual a atravessar a rua.

Já o assassinato de Ney gerou revolta pela frieza e crueldade do crime. Uma Land Rover parou na avenida Edgar Vieira, no bairro Boa Esperança, em frente à UFMT, e motorista chamou pela vítima. Ney se aproximou do carro, quando foi surpreendido com um tiro na cabeça. Ele morreu na hora.

O autor do disparo foi Luiz Eduardo Figueiredo Rocha e Silva, procurador da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT). Em depoimento na última quinta-feira (10), após confessar ter atirado contra Ney, ele disse que estava “tranquilo” na hora que apertou o gatilho. O crime teria sido motivado por danos provocados pelo sem-teto ao carro do procurador.

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